ONG cita avanços, mas aponta Brasil como ‘mortífero para jornalistas’
Leandro Mazzini
Em relatório da ONG Repórteres Sem Fronteira distribuído na quarta-feira para associados e leitores em vários países, a entidade cita avanços na liberdade de expressão e trabalho da imprensa no Brasil, mas aponta o país como 'mortífero para jornalistas', e cita a polêmica do debate sobre a regulação da mídia – um embate entre dez grandes grupos de comunicação tradicionais, que rejeita, e as rádios e TVs comunitárias, que desejam mais espaço – proposta defendida pelo PT, da presidente Dilma Rousseff, e pelo PCdoB – há inclusive um projeto em tramitação.
''No decorrer da última década, o Brasil realizou progressos significativos em matéria de liberdade de informação. São exemplo disso a revogação da Lei de Imprensa de 1967, herdada da ditadura militar – e que previa penas de prisão efetiva em caso de difusão de informações consideradas subversivas –, a suspensão da cláusula da lei eleitoral de 1997 que proibia o direito à caricatura durante as campanhas eleitorais e a Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012'', informa o relatório, que cita também avanço na aprovação do Marco Civil da Internet no Congresso Nacional.
Mas em seguida cita o Brasil como ''Um dos países do continente mais mortíferos para os jornalistas'', e lembra casos e números:
''Apesar desses avanços, numerosos ataques à liberdade de informação no país foram registrados nos últimos anos. O Brasil assistiu a um forte aumento no total de atos de violência contra jornalistas e blogueiros, tornando-se um dos países mais mortíferos para a profissão de todo o continente americano''.
''Desde 2000, 38 jornalistas foram assassinados em circunstâncias provável ou comprovadamente relacionadas com suas atividades profissionais. Na grande maioria dos casos, as vítimas realizavam investigações sobre temas sensíveis, como o narcotráfico, a corrupção ou os conflitos políticos locais''.
A ONG ressalta que foi procurada pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH), da Presidência da República, a fim de elaborar um detalhado relatório sobre a violência contra jornalistas no Brasil. A entidade ''contabilizou 321 jornalistas alvos de violência entre 2009 e 2014. O estudo afirma que o envolvimento de autoridades locais e policiais na violência contra comunicadores é evidente e destaca a impunidade como fator que impulsiona novas ameaças''.
REGULAÇÃO DA MÍDIA
Para a RSF, há um ''cenário mediático extremamente concentrado, obstáculo ao pluralismo''. A entidade lembra que isso ''constitui um outro fator que fragiliza a liberdade de informação no país''.
''Dez principais grupos econômicos, correspondentes a outras tantas famílias, partilham entre si o mercado da comunicação. O pluralismo também se vê afetado pela distribuição de anúncios e do colossal maná publicitário oficial que favorece grandes grupos de imprensa, do qual resulta uma certa dependência financeira da mídia e a existência de uma relação extremamente forte entre os poderes mediático, econômico e político''.
A RSF ressalta que o ex-ministro Franklin Martins, no governo Lula, iniciou conversas com o setor no sentido de regulação da mídia, mas encontrou resistências dos grandes veículos.
''Embora o artigo 220 da Constituição Federal Brasileira de 1988 proíba os oligopólios e os monopólios na comunicação social eletrônica, ainda não existe uma regulamentação específica desses termos para o setor. Essa ausência de regulamentação permite um cenário mediático de alta concentração dos meios de comunicação''.
E por fim, lembra que nos países vizinhos como Argentina, Equador e Uruguai ''novos marcos legais'' estão entrando em vigor no setor de telecomunicações.
Para a ONG, a grande mídia entende na ação do governo uma tentativa de controle e censura, ''e acusam o Governo de pretender restringir a liberdade de expressão nas raras vezes em que se apresenta esse debate''.
E elenca o fator político no domínio dos meios de comunicação como uma trava ao debate: ''Outro elemento que dificulta uma reforma aprofundada do setor está ligado ao elevado número de políticos proprietários e sócios de rádios e canais de televisão. Em 2009, de acordo com os dados do projeto Donos da Mídia, 271 políticos com um cargo eleito eram proprietários ou sócios de 324 veículos de comunicação no conjunto do país''.