Coluna Esplanada

Arquivo : deputado marco feliciano

House of Feliciano: Os suspeitos do ‘sequestro’ e bastidores da negociação
Comentários Comente

Leandro Mazzini

Atualizada segunda, 8/8, 20h35 ( importante – esta reportagem foi divulgada antes da conclusão da polícia de que Patrícia mentiu sobre a coação e sequestro, e sua versão foi desmascarada pela própria Coluna – veja aqui )

> Episódios envolvem ‘amigos’ conhecidos pela internet, jovem advogado que tentou ganhar dinheiro, falso agente da Abin e troca de farpas num Café em Brasília

> A armadilha: Garota recebeu oferta de emprego para TV em SP, segundo relata, mas caiu nas mãos de chefe de gabinete

> Hotel estava pago para 11 dias

> Contatos da Polícia Federal ajudaram na investigação jornalística para desmascarar versão dos autores da suposta coação

> Entrada da mãe na história foi fundamental para salvar jovem em hotel de SP

> R$ 50 mil era o ‘presente’ para o silêncio da mulher – que diz não ter pedido dinheiro

feliciano

Os bastidores da misteriosa viagem de Patrícia Lélis para São Paulo, onde caiu nas mãos de Talma Bauer, chefe de gabinete do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), envolvem mentiras, ‘amigos’ conhecidos pela internet, ofertas de emprego em TV de SP, hotel pago para uma semana e recados intimidadores até a jovem parar no 3ª Distrito Policial paulista para denunciar a todos.

Neste domingo à noite, ela confirmou as denúncias ao registrar mais dois B.O. na Delegacia da Mulher em Brasília.

Patrícia, como notório, acusa Feliciano de assédio sexual, agressão e tentativa de estupro dentro do apartamento funcional do deputado em Brasília, numa história recheada de vaivéns cujo script já é chamado nas redes sociais de ‘House of Feliciano’ – numa alusão ao seriado de sucesso da Netflix que envolve Poder e outras tramas.

OS TRAPALHÕES

Para situar melhor o leitor sobre o cerne da viagem a SP, é necessário contar detalhadamente os personagens e episódios desde o primeiro contato da jovem com a Coluna.

Após vários contatos por telefone e whatsapp entre este repórter e a jovem, foi agendada uma reunião numa cafeteria do Setor Sudoeste em Brasília para ela relatar pessoalmente os detalhes da acusação. O repórter lembrou que a denúncia teria mais consistência para publicação se ela fizesse o B.O. – até para proteção de sua integridade.

Neste meio tempo, apareceram dois personagens curiosos – para não dizer desastrados ou interesseiros – que se aproximaram da garota, prometendo ajuda, com interesses obscuros. Do Rio, ligou um homem identificado como A.M., se apresentando como agente da Abin ( A Agência Brasileira de Inteligência ), sabe-tudo e algo mais, para ajudá-la no caso, mas perguntou demais e ela desconfiou. Eles já se conheciam pela internet. Desmascarado pela Coluna após breve contato com fontes da Abin e da Asbin (Associação de Servidores do órgão de inteligência ), este rapaz agora está na mira dos órgãos de inteligência do Governo.

No outro dia surge um advogado conhecido de Patrícia, que também insistiu com ela para que segurasse o registro de B.O. Segundo ela, após uma reunião a portas fechadas num escritório com os sócios do advogado, Patrícia percebeu que havia ali o interesse financeiro na questão, e não em protegê-la judicialmente. Após pressionarem para que ela entregasse as provas, ela deixou um pen-drive vazio, e correu da sala. Foi então que decidiu procurar a Coluna para a denúncia oficial.

O CONTATO NO CAFÉ ‘TROCADO’

O Broune Café no Sudoeste. Local estratégico - para todos

O Broune Café no Sudoeste. Local estratégico – para todos

Patrícia, no entanto, insistiu durante três dias em segurar o registro policial porque já era orientada, de São Paulo, por um homem identificado até agora apenas como Marcelinho, que propôs ser seu empresário; Marcelinho contou o caso para o jornalista Emerson Biazon, que entrou na história como um gestor de crise – não se sabe para que lado. Ambos a convenceram a não fazer B.O. até que Emerson a encontrasse pessoalmente.

Desconfiado dos interesses dos dois homens com a jovem, e por não conhecê-la pessoalmente até saber de suas verdadeiras intenções, o repórter se precaveu – chamou o advogado da Coluna e marcou um café com Patrícia e Emerson na Monjolo, no Setor Sudoeste ( mas nos posicionamos a 20 metros, numa outra cafeteria, a Broune Café, para avistarmos com quem ela chegaria ). E surgiu a primeira surpresa – também desconfiado, Emerson escolheu a mesma cafeteria em que estavam o repórter e o advogado da Coluna para avistarem as movimentações ao longe. Resultado – estavam todos em mesas vizinhas, e se apresentaram.

O trato era Patrícia apresentar o B.O. à ocasião e relatar a acusação, mas ela recuou. “Só quero recuperar a minha vida”, disse cabisbaixa. Foi quando Emerson, reticente em apresentar seus interesses, provocou o repórter:

“Quanto vale uma matéria dessa?”

“Eu não trabalho assim, não compro nem vendo, meu interesse é jornalístico”, respondeu este repórter, o que instigou a provocá-lo também, já desconfiado, naquele momento, dos interesses do paulista, e este repórter retrucou:

“Você me ofende, assim, e me dá liberdade para te perguntar: quanto você está ganhando de alguém em São Paulo só para vir aqui calar a boca dessa menina!?” – Patrícia e o advogado da Coluna, frente a frente, apenas assistiram o embate.

Ânimos mais calmos, a conversa fluiu. Emerson se disse assessor de um partido em SP, o qual não se confirmou depois. Após mais de uma hora de conversa, Patrícia pediu um tempo e disse que decidiria no sábado, era para o repórter aguardar que ela enviaria o B.O.

Mas ela escondeu o jogo que fechara com o novo amigo de SP. Dali, a dupla se dirigiu à sucursal do SBT e tentou vender a história por R$ 10 mil ( agora, Patrícia e Emerson se acusam mutuamente sobre o interesse financeiro ). No SBT, a iniciativa de negociação partiu de Emerson, segundo relatam a jovem e um repórter da TV. Não rolou.

A VIAGEM PARA A ARMADILHA

O San Raphael, no Arouche, em SP - o provável'cativeiro'

O San Raphael, no Arouche, em SP – o provável’cativeiro’

Diante das investidas fracassadas de Emerson ou Patrícia ( isso a polícia vai apurar ) para lucrar com a história, segundo relata a jovem, Emerson Biazon propôs levá-la para São Paulo, com todas as despesas pagas. “Ele me ofereceu emprego na Record de Campinas, onde tinha contatos”, diz a jovem.

Por ser uma conhecida youtuber, anti-feminista e declaradamente de direita, Patrícia angariou milhares de seguidores Brasil adentro. Até o polêmico caso da suspeita de agressão, ela tinha quase 100 mil seguidores numa página do Facebook (que misteriosamente foi derrubada). Daí ela se interessar na proposta do novo amigo.

Segundo Patrícia, Emerson pagou o bilhete aéreo da Avianca Brasília-Congonhas ( voo 6063 ) dia 30 de julho, sábado. A jovem enviou o print da compra do bilhete para o repórter. Questionada pelo aplicativo para onde estava indo e com quem, ela se resumiu a dizer que estava com Emerson, que faria o B.O. em SP e ficaria por lá. Também disse que um subscretário de Segurança Pública lhes buscaria no aeroporto. Ainda desconfiado, o repórter perguntou o nome, e depois de uns minutos surgiu “João Batista”.

Balela. Sem jurisdição, ela não poderia fazer um boletim de ocorrência em São Paulo por caso ocorrido em Brasília. Primeiro alerta. O repórter acionou uma importante delegada da Polícia Federal para sondar sobre ‘João Batista’. Não existia esse nome. E na Polícia Civil, também questionada, ninguém na corporação sabia quem era. Foi o segundo alerta e principal motivador para o início da reportagem diante de um cenário mal contado.

A partir daquele sábado (30) até a segunda-feira à noite Emerson e Patrícia não responderam mais os telefonemas do repórter, e as suspeitas de que algo poderia ter acontecido circularam no seleto grupo dos que sabiam do caso Patrícia x Feliciano. A ponto de um ex-professor seu soltar no Facebook a história, temendo por sua vida.

Patrícia então apareceu. Estava com a voz visivelmente nervosa ao telefone, ligou seguidas vezes para este repórter para convencer o professor a apagar o registro – e também telefonou para ele, se dizendo bem – descobriu-se, dias depois, que não.

Foi quando o repórter decidiu soltar o que Patrícia o entregara de evidências de provas. Após consultar webdesigners experientes e programadores, e constatar, inicialmente, que não havia indícios de fraudes nos ‘prints’ das trocas de mensagens, foi divulgada a primeira matéria na terça-feira – a denúncia relatada em detalhes pela jovem, e os ‘prints’ das conversas reveladoras e chocantes atribuídas ao deputado Feliciano.

Antes, tentamos uma reunião pessoalmente com Talma Bauer, que faz papel também de assessor de imprensa de Feliciano. Em resposta, Bauer disse que não poderia encontrar o repórter porque estava indo para São Paulo ( detalhe, era uma terça-feira, quando os deputados chegam a Brasília, e não dela se despedem ). Descobriu-se, depois, pelo relato da  polícia, que Bauer retornara a SP porque Emerson entregaria Patrícia no hotel San Raphael. E lá começou o suposto sequestro qualificado e coação.

A CASA CAI 

O delegado Hellmeister - Com 40 anos de polícia, toca a investigação com cautela

O delegado Hellmeister – Com 40 anos de polícia, toca a investigação com cautela

A Polícia de SP já descobriu que o hotel tinha diárias pagas para Patrícia para 11 dias, até esta próxima quarta (10), e investiga quem pagou os custos – suspeita-se que seja Bauer, o chefe de gabinete.

Quando o caso veio à tona, na 3º DP, Patrícia relatou à Coluna: “Emerson me levou diretamente para o hotel e, para minha surpresa, quando eu cheguei lá, encontramos o Bauer na recepção”. Patrícia alega que a todo momento, no saguão, Bauer pede um abraço e a afaga, e ela corresponde. Mas a sós, no apartamento do hotel, ou sentados no saguão lado a lado, ele começou a fazer as ameaças.

A falta de protocolos e o linguajar amigável entre Emerson e Bauer, relata a jovem, chamou sua atenção e ela começou a desconfiar da armadilha. “Emerson então pediu para eu subir e o esperar no apartamento, que ele e Bauer conversariam”. Nesse intervalo também começou a visitar o hotel o Marcelinho, o ‘empresário’.

Depois disso, de acordo com a mulher, começou a suposta coação. Ela não sabe o teor da conversa entre os dois homens, mas garantiu no B.O. em São Paulo e em Brasília, lavrados contra Emerson e o tal Marcelinho, que todos a obrigaram a gravar os vídeos desmentindo a denúncia na Coluna. Em certo momento, Bauer teria dito que se ela não o fizesse, “um mal maior” poderia acontecer a ela – palavras repetidas pelo delegado Luis Hellmeister, da 3ª DP.

A essa altura, os vídeos de Patrícia – um deles ao lado do próprio Bauer – começaram a viralizar nas redes sociais e a confundir os leitores – afinal de contas, quem estava falando a verdade, e por que a garota mudara de ideia tão repentinamente.

O repórter então decidiu procurar os pais da garota – e encontrou sua mãe através de uma rede social. A mãe, que se revelou também preocupada com a misteriosa viagem e o paradeiro e companhia da filha, resolveu aparecer. Agendou-se um café na Casa do Pão de Queijo do Pátio Brasil Shopping na Quarta-feira à tarde – ela apareceu com uma amiga, e o repórter novamente com o advogado.

Maria Aparecida Lélis ouviu os relatos – só sabia de parte da história, a filha contou a agressão apenas na véspera da viagem, e omitiu o episódio por 48 dias. Ao assistir a um dos vídeos em que Patrícia aparece no banco de trás do carro, de olheiras, a mãe soltou: “Não é minha filha, ela está sendo forçada”. Foi então que a tese do sequestro ganhou força entre os envolvidos na história – desde a Coluna, passando por amigos e familiares.

Na mesma tarde, após o encontro com a mãe da garota, a Coluna soltou o áudio revelador em que Patrícia gravou, dia 22 de junho, Talma Bauer. Foi a resposta para mostrar que ela mentia – por conta própria, ou por força maior.

Para despistar a coação e o suposto sequestro qualificado, os ‘tutores’ da jovem deixaram ela atender telefones de alguns conhecidos, como a mãe, e o namorado. Também a deixaram sair para shoppings, mas sempre monitorada e sem acesso às suas redes sociais e telefones, como denunciou à Polícia. Aceitaram a ida da mãe para não prejudicar o andamento de eventual negociação sobre o silêncio da mulher.

Maria Aparecida viajou na quinta-feira para São Paulo e encontrou a filha no hotel, e lá descobriu que ela era mantida sob poder de Bauer e Emerson, segundo relatou à Coluna. Como ela saiu de lá e avisou a polícia, e o que se desdobrou depois disso, você vê aqui.

GUERRA DE VERSÕES

Desde a entrada da polícia paulista no caso começou uma guerra de versões. Confrontados pelo delegado Luís Hellmeister – 40 anos de polícia, 30 deles como delegado – os atores foram entregando episódios e personagens com detalhes surpreendentes.

Dr Hellmeister pisa em ovos, experiente em investigações, para “não cometer injustiças”, segundo já relatou à Coluna no primeiro contato, na sexta-feira. Bauer é investigador aposentado da Polícia de SP, e tem um irmão que está na ativa. Hellmeister tem investigado o caso em várias frentes sem receios, com a responsabilidade de descobrir a verdade.

Já era tarde da noite da última sexta (29), Bauer e Patrícia estavam na 3ª DP, comandada por Hellmeister, quando a jovem envolveu diretamente Emerson Biazon no caso. O delegado o mandou comparecer na delegacia. Ele entregou seu Ipad, que continua apreendido, e confessou que recebeu R$ 20 mil de Bauer como parte dos R$ 50 mil que negociavam.

Aí começa a guerra de versões. Segundo Bauer, ele não sabe de dinheiro algum. Emerson diz que o IPad tem provas de uma negociação do dinheiro, envolvendo até Patrícia, e a jovem nega que tenha aceitado qualquer quantia para se calar. Na quarta, a Coluna publicou que a mãe da Patrícia, em conversa com o repórter, revelou que a filha pedira conta com CNPJ para depósitos, o que, segundo a mãe, não ocorreu.  

No depoimento, Patrícia ressalta que foi a SP atrás do emprego prometido por Emerson. Pressionada pelo delegado, contou o que repetiu à Coluna: “Eu disse a Emerson que eu não queria dinheiro algum. Se ele quisesse dinheiro do Bauer, que ele negociasse para ele, mas não para mim”.

Como se vê, até agora, os R$ 20 mil apreendidos continuam sem dono numa gaveta da 3ª DP. O delegado Hellmeister estava decidido a pedir a prisão temporária de Bauer naquela noite, até Emerson aparecer com esta versão. O delegado então decidiu soltar Bauer e recolher o Ipad de Emerson para começar, com calma e a minúcia com que a Polícia deve apurar, para chegar à verdade: quem está mentindo no jogo.

Emerson virou um personagem chave nesse script. Após virar alvo da Polícia paulista, agora passa a ser investigado pela Delegacia da Mulher em Brasília. Bauer continua solto e deve aparecer em Brasília para suas funções esta semana. Após quatro dias de silêncio, o deputado Feliciano gravou um vídeo em que se defende e alerta que foi falsa comunicação de crime por parte da jovem – que voltou para Brasília e o denunciou de novo. Feliciano será cercado pela Delegacia da Mulher do DF e pela Procuradoria Geral da República.

 

Leia aqui – os 15 mistérios do caso para a Polícia desvendar

Confira aqui a primeira denúncia

Ouça aqui o áudio em que ela confirma a agressão

Assista o vídeo que comprova encontro da garota com assessor

Veja aqui o cronograma da denúncia


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>