Líderes precisam conhecer Brasil que emergiu das ruas, diz consultor de CEOs
Leandro Mazzini
Desde que 'o gigante acordou' nas ruas do país, numa onda de protestos inédita e inexplicável, o blog não havia ainda procurado alguém que pudesse interpretar as manifestações, e analisá-las numa vertente diferente da sócio-política: o que os cidadãos brasileiros, e em especial os pequenos e grandes empresários, poderiam aprender com aqueles movimentos? Qual a lição?
Encontramos o consultor de empresas e CEOs Roberto Madruga, que dá a receita para líderes públicos e privados adotarem estratégias para melhor entender e mobilizar novas gerações e novos hábitos. Ele é professor do MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e da UFRJ, autor de diversas obras, entre eles a mais recente, intitulada Triunfo da Liderança (Atlas,2013).
Para Madruga, as manifestações populares ocorridas no mês passado, quando milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra o mau uso do dinheiro público, são uma grande oportunidade para que os líderes observem qual a percepção da população brasileira sobre a realidade política, econômica e social do país e, a partir daí, possam colocar em prática suas estratégias de atuação. E principalmente: tanto na gestão pública quanto no meio empresarial.
Há mais de 20 anos no mercado atuando como estrategista, ele observa que – embora estas manifestações sejam contra o poder público, com a falta de resultado e de estratégias e de satisfação com os serviços – as pessoas têm se organizado de forma silenciosa hoje em dia por interesses diversos.
Segundo Madruga, nos ambientes corporativos, principalmente, há um conflito de 'intergerações' provocado pelo aumento dos códigos na comunicação entre as pessoas pelo uso de novas tecnologias. As pessoas que estão liderando, explica, são muitas vezes com 30 ou 40 anos, ou mais. Já os liderados representam cada vez mais a geração Y e tem uma conectividade cada vez maior e uma baixa fidelidade à marca ou empresa, além de uma necessidade muito grande de autoafirmação e de comunicar suas ideias.
“Na verdade, esses jovens não são uma ameaça. São na verdade uma oportunidade, uma força de trabalho genial. Têm criatividade, ideias, muito o quer falar e que produzir. Então os líderes devem aprender a ouvir estas pessoas para redimensionar suas estratégias. Este é um ponto fundamental e este é o grande aprendizado”, observa.
“É uma confirmação de que o líder deve entender aquilo que se passa com sua equipe, criar estratégias para que sua equipe seja produtiva, que encontre sentido para fazer aquilo que eles estão fazendo”, acrescenta.
O consultor avalia que a crise sobre os líderes do poder público nada tem a ver com o que acontece com a iniciativa privada. Ele cita como motivos do descontentamento com a esfera pública o esvaziamento e falta de estratégias para o futuro, as promessas não cumpridas, a comunicação pouco ou nada objetiva, sem apresentar projetos, fatos, ideias e decisões incorretas de investimentos que geram desperdício.
“Ao invés de o poder público investir em projetos que agreguem valor à sociedade, os gestores mexem em coisas que dão menos resultados. Esta insatisfação com o poder público é antiga e chegou ao seu apogeu. As pessoas não querem mais ser enganadas. A grande questão é que elas querem resultado, coisa que conseguem na iniciativa privada”, aponta.
De acordo com o professor e consultor, na iniciativa privada, diferente da esfera pública, existe priorização de investimento, um cuidado maior para tomada de decisão e com o gasto do dinheiro da empresa. “São mundos completamente diferentes. Os esbanjamentos de dinheiro que há no governo com a escassez do dinheiro que há nas empresas”.
Na avaliação de Roberto Madruga, as margens de lucro nas empresas são comprimidas devido ao excesso de concorrência em todos os setores da economia, seja na telefonia, na indústria e até mesmo na agropecuária. Como o achatamento da margem nas empresas, os recursos são bem medidos e o dinheiro é gasto com mais cuidado. Já no governo, explica, ocorre elevação de gastos, superávit primário gigante, maior arrecadação de impostos da história do Brasil. “A população está inquieta com esta situação. Será que este dinheiro foi bem gasto?”, questiona.
Líderes silenciosos
Autor de publicações voltadas à administração, marketing e ao coach, Roberto Madruga discorda da maioria dos consultores, segundo os quais as manifestações populares não possuem líderes. Segundo ele, eles são inúmeros, milhares. São líderes silenciosos.
“Eles fazem a organização de suas ideias, a convocação das pessoas de maneira silenciosa, por exemplo, através da internet. São líderes que não gostam de falar, de bandeirolas nem discursos inflamados. Não são líderes barulhentos. São líderes silenciosos em questão de organização de suas ideias”, aponta.
Atento observador dos jovens conectados à internet, ele entende que as pessoas só foram para a rua protestar porque elas foram estimuladas por estes líderes, que estão nas universidades, nas cidades ou em organizações. Estes líderes, segundo ele, continuam sem nome, mas eles existem e não querem aparecer porque o propósito deles não é ganhar voto e fazer transformações importantes para o país.
Ele acredita que esse fenômeno popular vai acabar criando novas pessoas com este tipo de perfil, pessoas que não querem o estrelato, mas que continuarão trabalhando através das redes formando novas consciências.
Ele cita como extremamente positivo o episódio em que o porteiro do prédio em que mora, no Rio de Janeiro, o alertara para um protesto na Avenida Presidente Vargas contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 37) que tira poderes de investigação do Ministério Público.
“Ele me disse o quanto era absurdo aquele projeto de emenda. Eu fiquei impressionado porque era o porteiro me explicando o que era isso, sem eu perguntar para ele o que era. Essa talvez seja a grande transformação que a gente venha tendo”, admite.
Pão e Circo
Madruga finaliza com críticas à pré-disposição cultural do brasileiro de abordar assuntos ligados ao entretenimento, como futebol, carnaval e grandes espetáculos para a população. No entanto, para ele, a política do pão e circo está com os dias contados.
“A população preferiria que o Maracanã custasse metade do preço, mas que fossem construídos 100 hospitais com esta diferença de preço. Essa é uma mudança profunda no povo, que está querendo sair deste modelo antigo de pão e circo, querendo educação, projetos de longo prazo, empregabilidade, melhorar de vida, que o dinheiro seja bem gasto. Então o melhor beneficiado disto tudo está sendo o povo brasileiro, que aumentou a sua conscientização política. E de fato, está fazendo surgir novos líderes que não querem aparecer no palanque, mas enfim, transformar a sociedade com mais resultados do que com marketing”, finaliza.
Com Vinícius Tavares, da Equipe de Brasília