Justiça Federal intima ex-deputado sobre sumiço de ossadas do Araguaia
Leandro Mazzini
O governo se envolveu numa confusão judicial sobre guerrilheiros do Araguaia (TO) durante o regime militar. O novo episódio beira uma tragicomédia: o segundo sumiço dos desaparecidos, e o surgimento de ossadas de crianças que não têm ligação com o histórico confronto na selva.
A coluna revelou em 18 de Janeiro que foram encontradas duas ossadas de crianças e de um jovem sob tutela do Ministério da Justiça, mas sem elo com a guerrilha, no lugar de três ossadas de ex-guerrilheiros.
Logo depois, famílias de desaparecidos impetraram ação na Justiça para cobrar o paradeiro dos ossos. Agora, a juíza Solange Salgado, da 1ª Vara Federal em Brasília, que preside o caso, intimou o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh para dar explicações para a Justiça e as famílias. A audiência está agendada para dia 10 de Setembro.
Greenhalgh, então deputado, foi foi responsável pela expedição em 2001. Ele coordenou o grupo de trabalho permanente de buscas do Araguaia junto à secretaria de Direitos Humanos, em companhia de historiadores e de ex-guerrilheiros. Lá encontraram ossos com apontamentos de serem dos guerrilheiros Walquiria Costa, Paulo Mendes Rodrigues e o italiano Giancarlo Castiglia.
Missão inédita e histórica, ossos recolhidos e levados para Brasília, iniciou-se então uma série de trapalhadas. Num vaivém das ossadas na capital, sem qualquer critério ou protocolos, transportadas inclusive por ex-guerrilheiros não autorizados, em caixas que correram pelo Ministério da Justiça, Instituto Médico Legal e UnB, elas simplesmente desapareceram.
O susto surgiu quando, no lugar das ossadas do trio guerrilheiro, foram encontradas as das crianças e do jovem, como publicou a coluna. Em suma, alguém ainda não identificado incluiu os ossos dos menores para justificar o sumiço dos restos dos guerrilheiros. E exames comprovaram a fraude.
O Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA), da Secretaria de Direitos Humanos, e integrantes do Ministério da Justiça e da Defesa investigam o que houve. Sabe-se até agora que, quem mais transportou as caixas com os restos por Brasília, foi a ex-guerrilheira Criméia Almeida. Ela também será intimada para a acareação.
Greenhalgh, o cineasta Ronaldo Duque e o perito José Eduardo Reis, que participaram da expedição de 2001, foram convocados para a audiência dia 10. A despeito do imbróglio judicial, o governo se defronta com outro mistério, tão sério quanto o paradeiro dos restos dos guerrilheiros: não sabe quem são, de onde vieram e como devolver as ossadas das crianças e do jovem.
Neste ponto começa outra novela. Segundo relatos preliminares, há suspeita de que foram retiradas do cemitério de São Domingos, em Xambioá, um dos focos da guerrilha, numa missão extraoficial patrocinada por ex-guerrilheiros em 2001 (que antecedeu a ida do grupo de Greenhalgh). O ex-deputado está totalmente alheio a esta situação, explica à coluna. E disposto a colaborar com a Justiça, lembra que foi pioneiro nas buscas pelos desaparecidos:
''Em 1982, durante ainda o regime militar, eu impetrei ação para defender as famílias dos desaparecidos. Essa ação, do ponto de vista judicial e histórico, é a mais importante''
O processo judicial sobre as buscas por mais desaparecidos – são 45 no total, apenas dois corpos foram encontrados – corre em segredo de Justiça.